domingo, 5 de agosto de 2012

Crueldade Inútil...

Theo Gigas, na crónica Touradas - Uma Crueldade Inútil, escreveu:
"Não existe um só argumento que justifique tamanha monstruosidade, que nada tem de esportivo ou de artístico. A única arte consiste na exploração de pessoas que gozam com volúpia o espetáculo de tortura e morte".

Muitos escritores têm descrito e estudado o espetáculo das touradas espanholas, que se realizam principalmente na Praça de Touros, em Madrid, todos os domingos - um imenso anfiteatro de estilo mourisco, luxuoso, original. A festa recebe o nome de corridas de touros. Em cada corrida se matam seis touros, dois para cada toureiro.

Fonseca Fernandes assistiu a um desses espetáculos e o descreve nas suas diversas fases. A primeira é a de excitação do animal, quando surge o picador montado a cavalo e que, munido de longa vara, submete o animal a uma tortura de picadas: "O picador arremata com a puya, triângulo de ferro que fustiga as espáduas do touro". Vem a segunda fase, a das banderillas, também excitadora. Homens de pé espetam, com agilidade, no animal banderillas coloridas "na mesma região fustigada anteriormente pelo picador". A última fase corresponde à muerte. Vem o toureiro, que dispõe de quinze minutos para a luta. Se o matador não cumpriu a missão, o touro volta ao curral e o toureiro toma extraordinária vaia. O touro morto também é vaiado. "O espanhol vaia sempre, manifestando alegria por qualquer dos resultados. Inclusive quando o touro mata o toureiro".

Existem os museus de toureiros, em que se guardam cabeças de animais, espadas, roupas. Num deles, figura retrato a óleo de Manolete, Manuel Rodriguez Sanchez, herói nacional de touradas, de carreira fabulosa, morto pelo touro "Isleno", em 1947. Tinha 30 anos o ídolo de Espanha.

O sacerdote Luciano Duarte admite que nesses espetáculos se vê sobremodo o aspecto de selvageria, na seguinte descrição: "O touro está fatigado e ofegante. Escorre-lhe o sangue abundantemente. O toureiro se aproxima de frente, para enterrar a espada. Momento perigoso. O touro agora está com as duas patas dianteiras paralelas. É o momento azado, pois esta posição permitirá que a espada se enterre até os copos, pouco adiante do pescoço do animal. O toureiro avança e tenta o golpe. A espada se afunda e fica enterrada, o povo aplaude delirantemente e grita olé, e o touro bambeia nas pernas inseguras, para logo cair morto".

Num romance célebre, "A Serpente Emplumada", Lawrence mostra com maestria esse "espetáculo de sangue e tripas". Urros do povo. Glória e emoção.

Como se explica o fenómeno?

Luciano Duarte adverte que a tourada, para o espanhol, é um espetáculo de arte: "Um balé em que o homem enfrenta o touro, em que a inteligência desafia a força bruta e vencerá". E o ilustrado escritor vai adiante, vendo na Espanha das touradas "restos de sangue mouro em efervescência, descarga do instinto de agressividade".

Por que esses homens se dedicam a tão cruel e desumano desporto? - pergunta Fonseca Fernandes. E explica: "Existe neles uma verdadeira adoração por esse gênero de exibição. Em touradas cultivam-se a destreza e a intrepidez das mais fortes emoções, nelas há todo um ritual de elegância perfeitamente enquadrado na vida do espanhol".

Os espanhóis, aliás, dizem que, como animal, o touro "teria de morrer de qualquer maneira; na praça mostra suas qualidades guerreiras e morre heroicamente". Ou mata - deveriam acrescentar.

As touradas foram vistas por Victor Hugo: "Em todas as corridas de touros aparecem três feras que são o touro, o toureiro e o público. O grau de brutalidade de cada um desses brutos pode-se calcular pelo seguinte: o touro é obrigado, o toureiro obriga-se, o público assiste por um ato espontâneo de sua graduação: o touro provocado defende-se; o toureiro, fiel ao seu compromisso, toureiro; o público diverte-se. No touro há força e instinto; no toureiro, valor e destreza; no público não há senão brutalidade".


A. Tito Filho, 06/04/1990, Jornal O Dia

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