sábado, 10 de março de 2012

Não é a falar que a gente se entende

por Pedro Ribeiro
O debate que costuma acompanhar a questão do papel da tauromaquia na sociedade portuguesa actual é inevitável e, em boa medida, apaixonante: envolve e empolga os participantes, suscita posições vincadas e raramente deixa as pessoas indiferentes. Artigo de Pedro Ribeiro.
O debate ocorre, essencialmente, em dois planos: o emocional e o intelectual.

Emocionalmente, a propensão natural que as pessoas têm para querer o bem dos animais leva-nos a condenar as touradas. É preciso incorrer num exercício de pura dissonância cognitiva para considerar que a tortura é para o bem do próprio animal, ou que ele sai de alguma forma beneficiado dessa situação. Agredir e massacrar um animal fere a sensibilidade da maioria das pessoas. Isso é consensual.

Intelectualmente, o debate tem uma dimensão muito diferente: apela à argumentação, ao raciocínio e ao conhecimento científico. Nestes três elementos, a tauromaquia ressurge como uma actividade desnecessária, extemporânea, negativa e indesejada. Escavam-se os argumentos mais rebuscados tentando defender o indefensável mas, após tudo ser considerado, o princípio fundamental do direito à vida e ao bem-estar dos animais continua a ser o valor mais importante da equação.

A dinâmica do antigo debate em volta do assunto faz com que as mesmas questões sejam reutilizadas inúmeras vezes, perpetuando um assunto que, por mais voltas que se lhe dê, se resume a isto: um animal é massacrado em praça pública, agoniza com os ferimentos que sofreu e, invariavelmente, morre após a lide. A crueza específica deste facto contrasta com a ampla dimensão do debate em volta da questão.

Quanto mais se fala nos argumentos morais, éticos, sociais, científicos e económicos a favor e contra a tourada, mais abandonamos o verdadeiro tema: o touro que é massacrado, que agoniza e que morre. Essa é a questão fundamental que está em jogo. Tudo o resto, por mais interessante que seja no intelectual exercício do debate, é floreado.

A discussão é essencial, sim. A dimensão da tauromaquia em Portugal justifica o exercício responsável de considerar argumentos, medidas, consequências… Porém, a cada argumento usado, a cada consideração, a cada debate corresponde mais uma conceptualização de algo muito real: um animal que morre em agonia.

E sim, tenho perfeita noção do contra-senso que é falar acerca disso.

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