Os homens e mulheres não são entidades estáticas, mas sim seres que têm em si a capacidade de fazer melhor, portanto de serem perfectíveis. Assim, se considerarmos que são susceptíveis de se aperfeiçoarem, isso implica que têm a capacidade de abandonarem modelos que deixaram de representar os valores entendidos como correctos à luz de um dado patamar ético e, consequentemente, estabelecerem novos paradigmas que lhes permitam orientar as vivências de modo mais consentâneo. Assim, movimento, interacção e evanescência surgem como molas propulsoras da Vida em permanente devir.
Ao longo dos tempos, as culturas deixaram sempre aflorar, aqui e ali, os altos valores dos saberes que se constituem ainda hoje como farol para uma prática fraterna entre todos os seres sencientes, onde naturalmente se incluem os humanos, e onde todos, necessariamente, têm um lugar e um papel a desempenhar. A Natureza só é feliz quando todos os seus elementos vivem em equilíbrio dinâmico consoante o patamar de consciência de cada um! E esta consciência – por exemplo, a capacidade de reflectir e meditar sobre as ocorrências e actos praticados – se mais apurada, mais subtil e profunda, tanto mais responsável deverá ser.
A questão que aqui se coloca é, pois, bastante simples. Se aceitarmos que os actos praticados, ditos e pensados têm consequências, que papel queremos desempenhar nesta dinâmica inter-relacional e, por maioria de razão, que herança deixaremos às gerações vindouras? No caso dos seres “animais”, desejaremos conscientemente continuar a retirar prazer a expensas do seu sofrimento, numa espécie de orgia selvagem que não olha a meios para atingir os fins, mesmo que isso implique dor e tormentos continuados? É essa a representação de Homem que queremos continuar a sustentar e/ou permitir?
Porque os valores mudam, as culturas necessariamente reflectem estas mesmas mudanças! Afirmarmos que algo faz parte de um alegado “património” e que portanto se deve eternizar, mesmo que isso comporte o perpetuar de valores já inaceitáveis, é não só recusar o óbvio como também tentar afirmar um imobilismo pantanoso na vã pretensão de aprisionar o grande rio da vida. É também recusar crescer interiormente, é voltar as costas ao horizonte desenhado pela solidariedade e pela fraternidade que devemos a nós próprios e a todos os outros seres que, juntamente connosco, compõem esta grande Sinfonia da Natureza! Aquilo que alguns apelidam de “animais”, esses meros objectos, simples “coisas” de quem se alega ter o direito de dispor a seu belo prazer na prossecução de interesses egoistamente medíocres, é já hoje uma abordagem que a maioria não sustenta, que já não entende como aceitável!
A grande comunidade de Portugueses a que chamo Portugal, perdoem se me engano, tem ao longo do tempo dado evidentes sinais ao mundo de possuir um fundo afectuoso e uma intenção de pouco pactuar com interesses mesquinhos, mostrando desde sempre ser mais inclinada para o sorriso hospitaleiro do que para o exercício do uso do gume da espada! Não será afinal esse o “fundo” Português que subjaz à manta genética que nos surge aos sentidos? Como “rosto da Europa”, como farol que mostrou novas terras ao mundo e por tantas outras razões que não cabe aqui mencionar, é hora de reafirmarmos mais uma vez a nossa força de mudança alicerçada por essa “alma” temperada pela força da esteva e pelo sussurro do mar no seu eterno movimento cíclico e que sempre nos convida a mais uma viagem.
As “touradas” são a degradante imagem que certos defuntos protelados querem perpetuar, a vergonha da nossa cara enquanto homens e mulheres cidadãos dos «mundos a haver»! Não deveremos mais permitir que a imagem desta terra luxitanea, deste porto sagrado do graal, se deixe manchar pela incúria e passividade, pelo comodismo e pela recusa de vivenciar um modelo holístico, abarcante e fraterno! Há tempo para pensar, há tempo para agir! Hoje, na velocidade estonteante deste mundo tido como complexo, a sabedoria mostra a verdade do que é simples mas não simplório. Avancemos para pensar, pare-se para verdadeiramente agir! Na simples decisão de uma recusa firme, que jamais possa dar continuidade ao vil proceder, está a força calma do sorriso que simplesmente diz não.
Portugal é pequeno para os curtos de vista, para os de coração empedernido, nunca para aqueles que o vivem como terra prática de sonho e utopia, onde a planura alentejana e as serranias para lá do Marão, o quente Algarve, o doce Minho e as saudosas Beiras, as cálidas terras estremenhas tão perto desse Riba+Tejo, são evidências de diversidade a que subjaz a unidade desse “ser” Português do/no Mundo!
Touradas??? Decididamente, não!!!
António E. R. Faria
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