Acho curioso o facto de, à semelhança do que a SIC fez, a RTP ou a TVI não se dignem a transmitir um documentário/reportagem apresentando argumentos anti e pró-tourada. Acho curioso, mas não acho de todo algo abstruso, pois é facilmente justificável pelo lastimável contrato que têm com os organizadores dos eventos de chacina que ao que parece vão abundar este Verão.
Uma televisão que diz prestar serviço público, deveria considerar na elaboração da programação oferecer ao telespectador a possibilidade de tomar contacto com a maior diversidade de ideias possível. Porque é que dão tempo de antena aos toureiros barrigudos (já explico a seguir) e não a quem luta pelos direitos de uma espécie animal vilmente perpetuada por um punhado de senhores dementes que se acham donos de vidas alheias? Tudo bem, não há tempo para permitir tempo de antena a toda a gente. Mas então, sejam honestos, e admitam que o que fazem não é serviço público, mas sim serviço interesseiro, na melhor defesa de determinados emolumentos, que não duvido que existirão.
É essencial permitir às pessoas tomarem contacto com ideias adversas à sua própria cultura, que procuram sempre impor acrítica e passivamente. Parecendo que não, é muito fácil no mundo actual alguém deixar-se perder intelectualmente no sensacionalismo e no prazer fácil e imediato. E claro que uma pessoa comum, ao sintonizar uma corrida de touros e ao vislumbrar o gáudio do público presente no local, não vai sequer ponderar, ou dificilmente o fará, a hipótese de toda aquele gente estar errada e de aquele espectáculo, afinal, até poder tratar-se de uma chacina descarada. É difícil remar contra a maré espontaneamente. É preciso que isso se torne um exercício de rotina. E para o poder realizar é necessário receber estímulos adequados. Se calhar se alguém disser à pessoa que está a ver a corrida de touros para atentar no sofrimento do animal que está a ser barbaramente agredido, ela até pára para pensar "Se calhar este indivíduo até tem razão.". E daí a nada poderá estar a mudar de ideias. Já para não falar no completo desplante que é a transmissão destes circos sádicos em horário nobre, deixando a mentalidade inocente e sensível das crianças à mercê da ganância de assassinos, para turvar permanentemente.
Meus amigos, de certo que quem treinava gladiadores na antiga Roma, também não ficou satisfeito quando se viu privado do seu meio de subsistência no qual se apoiou tão cegamente e desumanamente, que, não duvido, lhe conferia um certo prestígio perante a nobreza e prerrogativas condizentes. Todas as profissões estão sujeitas à extinção. A mentalidade evolui, a cultura evolui, a tecnologia evolui. Tantas e tantas profissões tradicionais e respeitáveis que estão, cada vez mais rápido, a serem extinguidas no nosso país e da nossa identidade cultural até. Mas consideram problemático que alguém que recebe remunerações numa soma exorbitante, numa soma que jamais poderia ser adquirida pela esmagadora maioria da população mundial durante uma vida inteira de trabalho digno, perca a sua ocupação, em favor do melhor respeito pela vida alheia, que tanto a nossa condição racional nos impõe? Sejam sensatos, por favor. Talvez assim, até alguns profissionais desse ramo pudessem dedicar-se à educação que nunca receberam, desde cedo sendo cultuados, dessensibilizados, lavados e manipulados, desprovidos da própria essência humana.
por Ricardo Lopes
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