No que respeita a touradas dois conceitos opostos e divergentes enfrentam-se, o que leva a que a maioria das vezes as conversas entre tauromáquicos e anti-tauromáquicos estejam condenadas à ruptura total.
Os aficionados não conseguem compreender o que há de mal na sua actividade, enquanto que os opositores desta actividade são incapazes de compreender qual a motivação psicológica que faz com que pessoas em regra geral razoáveis, aceitem como normal e aplaudam um espectáculo que em outras circunstâncias lhes pareceria aberrante.
A resposta reside num factor de coesão social chamado EMPATIA. Esta consiste em partilhar a dor alheia e qualquer outro sentimento e colabora e colaborou fortemente para o êxito de qualquer sistema social. É o germe de conceitos como a justiça, a piedade e a humanidade. A empatia não se limita aos seres humanos mas a qualquer ser que apresente sintomas de sofrimento. Qualquer ser que sofra é susceptível de provocar a nossa empatia e fazer com que nos revoltemos contra esse sofrimento, mais a a mais se as vítimas são crianças ou animais, uma vez que os consideramos livres de qualquer intencionalidade ou culpa. E os aficionados sabem disso.
O problema existe quando consideramos que os aficionados assistem impávidos ao sofrimento e morte de um animal que sabem ser inocente, o que vai contra os instintos empáticos do ser humano. Neste caso, não vale a pena dizer que os aficionados coisificam o animal da mesma forma que fazemos com os animais de abate, mas sim pelo contrário, os aficionados esforçam-se por atribuir caractarísticas antropomórficas ao touro, falam de valor, nobreza, sentido. Em nenhum momento consideram o animal como objecto.
É um claro paradoxo.
O poder mais representativo é o poder sobre a vida e sobre a morte. Historicamente os regimes mais absolutistas destacaram-se pela facilidade com que tiravam a vida aos seus súbditos. As maiores fatias de poder das diferentes igrejas concertaram-se nas mais sanguinárias inquisições. Neste poder a justiça tinha uma importância menor, o importante eram as torturas e as execuções.
Socialmente acontecia o mesmo. As religiões cruéis da antiguidade representavam o poder de uma sociedade em função das vítimas que faziam e o facto de matar prisioneiros ou animais dava-lhes uma demonstração de poder e unia os povos (ainda que contra outros).
Encontramos isto nas touradas. Ao espectador dá-se a oportunidade de “intervir” simbolicamente na lide demonstrar o seu poder e matar o animal. Para ele uma tourada televisiva perde toda a sua emoção. Porém não se trata tão somente de o matar, mas demonstrar o seu domínio sobre um animal possante e belo e daí os vinte minutos de tortura que precedem essa morte. Os aficionados portugueses querem que o touro morra em público e sob o seu ponto de vista é razoável a sua pretensão.
Uma vez morto o animal, o público teve a sua dose de comunhão com o poder (totalmente fictício, claro está) e pode regressar a sua casa com tranquilidade. Isto explica também a prática habitual das touradas por parte dos governantes absolutistas como apaziguador social, fê-lo José Bonaparte para conquistar o povo de Madrid (ainda que Carlos V as proíbisse e provavelmente também o faria o seu irmão), fê-lo Fernando VII e a sua filha Isabel II (naquilo que se chamou “ a idade de ouro” da tourada, ainda que tenha sido o seu início).
E fê-lo no século passado Franco protegendo-a, ainda que , curiosamente os falangistas em quem este por sua vez se apoiava estivessem contra.
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