domingo, 30 de setembro de 2007

Morte e sofrimento.

Questões da Ética:

"Em vez de fazer aos outros o que queremos que nos façam a nós, fazer-lhes o que eles preferem. A ética de causar sofrimento é um exemplo fácil.

É mau torturar porque faz sofrer. Não importa se a cultura do torturador diz que é uma coisa boa ou se a cultura de quem assiste diz que é um espectáculo maravilhoso. Nem importa a espécie de quem sofre, ou se o consideram sagrado ou não. A tourada, por exemplo, é um mal em todas as culturas enquanto causar sofrimento ao touro. É o touro o mais lesado com a brincadeira. A cultura não sente, por isso pouco importa.

A ética de matar é mais complicada, e dá origem a alguma confusão. Alguns dirão que não havendo problema em matar o touro para comer também se pode picá-lo com ferros primeiro. Talvez fique mais tenro. Mas também aqui compensa considerar a experiência subjectiva do touro.

Provavelmente, o touro não tem consciência da sua vida como um todo. Não se recorda de quando era novo, não pensa no que vai fazer quando for velho, nem se reconhece como um ser que dura no tempo. Posso estar enganado, mas pelo que sabemos o touro vive cada momento sem uma narrativa que ligue as suas experiências naquilo que nós chamamos vida.

Se assim for, cada episódio tem para o touro qualidades semelhantes às que tem para nós. A dor dói-lhe, o medo assusta-o, e torturar um touro é eticamente equivalente a torturar um ser humano. Mas a vida do touro, para o touro, é muito diferente da vida de um humano para o humano. O humano sente a sua vida toda como um percurso do passado pelo presente e para o futuro, e essa vida como um todo tem um grande valor para si.

Por isso proponho que matar sem sofrimento é aceitável se quem morre é como o touro. Não lhe tiramos nada que ele sinta ser de valor. Mas não é aceitável se quem morre é como o ser humano. Não por ser humano, sagrado, ou pela minha cultura, mas porque para este a vida tem valor como um todo, para além do valor de cada momento. E nesta categoria devíamos incluir os primatas antropóides, os cetáceos, e talvez o elefante ou outros animais cuja neurologia e comportamento sugiram partilhar esta característica.

Parece-me que esta tem sido a direcção do progresso na ética. Largar as regras ad hoc de favorecer os da nossa tribo ou costumes, ou da nossa espécie, ou mesmo os que estão vivos agora, e considerar como valor fundamental a subjectividade do outro. Daquele que afectamos. Mesmo que seja um animal ou gerações futuras que vão levar com os sacos de plástico e outras porcarias que espalhamos hoje por todo o lado.

Infelizmente, os velhos hábitos ainda perduram. Por causa da vida humana ser «sagrada» não se pode criar embriões em laboratório. Como se não ser criado fosse muito melhor que viver como um punhado de células durante uns dias. Por causa da «dignidade» da pessoa querem negar a uma mulher solteira assistência médica para engravidar. Como se nascer sem pai fosse pior que nunca existir. Mas esta tendência para se guiar por abstracções arbitrárias vai gradualmente vai dando lugar a uma ética mais sólida, em que os valores fundamentais são os valores de cada um em vez dos ditames da cultura ou religião."


Fonte: ktreta.blogspot.pt

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